sábado, 4 de outubro de 2025

Exclusão ou Inclusão? Justiça Suspende Curso de Medicina para Acampados do MST em Pernambuco

 



A Justiça Federal de Pernambuco decidiu, nesta quarta-feira (1º), suspender o edital da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) que criava 80 vagas para um curso de Medicina exclusivo para membros de assentamentos controlados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O edital, aberto em 10 de setembro, dispensava vestibular e limitava o processo seletivo a uma prova de redação com temas ligados à questão agrária e movimentos sociais, além da análise do histórico escolar.

A criação de turmas desse tipo é possível graças ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), que se tornou lei durante a gestão Lula em 2009, após forte pressão de movimentos sociais. O programa permite que assentados do MST ingressem em universidades públicas por processos seletivos simplificados, sem concorrência aberta.

Para o juiz responsável pela decisão, “beneficiários do Pronera não podem ter acesso ao ensino superior formal diferentemente do devido legal seletivo exigido para os demais estudantes que se habilitam por ampla concorrência ou por ações afirmativas”.

Reação de autoridades e ex-ministro

A denúncia do edital foi feita pelo médico e vereador de Recife, Tadeu Calheiros (MDB), que comemorou a decisão. “Não sou contra políticas afirmativas, que têm papel importante na promoção da inclusão. No entanto, o edital da UFPE que criava uma turma específica no curso de Medicina feria o princípio da isonomia e estabelecia privilégios indevidos no acesso à universidade”, afirmou.

O ex-ministro da Educação Mendonça Filho (União Brasil-PE) também comemorou a decisão, destacando que representa uma “vitória da igualdade de oportunidades” para estudantes que se preparam anos para ingressar na universidade pública.

Desigualdade estrutural e meritocracia

Apesar das críticas, especialistas afirmam que a suspensão do curso ignora as desigualdades históricas no acesso à educação superior no Brasil. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2010), mais de 70% dos universitários pertencem aos 20% mais ricos. Entre os jovens do meio rural, apenas 5% frequentam o ensino superior (PNAD Educação, IBGE, 2024).

Além disso, alunos de escolas públicas têm desempenho médio inferior ao de escolas privadas no ENEM — diferença de 182 pontos na redação (INEP, 2023). A taxa de ingresso entre jovens brancos é de 37,4%, enquanto entre pretos e pardos é de 20,6% (Correio Braziliense, 2025).

Educação como ferramenta de inclusão

Defensores do curso da UFPE argumentam que ele não concede privilégios, mas atua como mecanismo de justiça social, formando médicos com vínculo comunitário e capacidade de atuar em áreas com déficit de profissionais de saúde. Segundo o Ministério da Saúde (2022), cerca de 1.900 municípios brasileiros enfrentam escassez de médicos, concentrada principalmente nas regiões Norte, Nordeste e zonas rurais.

A medida segue experiências bem-sucedidas de Educação do Campo e cursos para populações indígenas e quilombolas, promovendo diversidade e equidade no ensino superior.

Contradições históricas

O episódio evidencia um paradoxo: Mendonça Filho, membro de uma família histórica com privilégios políticos e econômicos em Pernambuco, critica políticas de inclusão voltadas a populações historicamente marginalizadas. A resistência à democratização do acesso à universidade pública contrasta com a realidade das desigualdades estruturais no país.

Conclusão

O debate sobre a suspensão do curso da UFPE evidencia o choque entre igualdade formal e justiça social. Enquanto políticas de inclusão são vistas como “privilegio” por setores conservadores, os dados mostram que, sem ações afirmativas, a universidade pública permanece predominantemente acessível às classes médias urbanas e à elite econômica, mantendo profundas desigualdades históricas.


Referências:

  • IBGE – PNAD Educação, 2024

  • IPEA – Retratos da Desigualdade no Brasil, 2010

  • INEP – Resultados ENEM 2023

  • Ministério da Saúde – Distribuição e escassez de médicos, 2022

  • Correio Braziliense, 2025

  • Agência Brasil, 2025

  • Folha de Pernambuco, 2024


Claudio Ramos



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