Em um momento em que o país enfrenta desafios
urgentes nas áreas social, econômica e ambiental, a Câmara dos Deputados
decidiu ressuscitar, nesta terça-feira (16), a chamada PEC da Blindagem
— uma proposta que, longe de atender aos interesses coletivos, mira na proteção
de parlamentares e dirigentes partidários contra processos judiciais. A medida,
trazida de volta ao debate pelo deputado Hugo Motta, surge como moeda de troca
em meio a um impasse político que trava a pauta da Casa e escancara um
preocupante descolamento entre a classe política e a sociedade que a elegeu.
O texto da PEC prevê a exigência de
autorização prévia do Congresso para abertura de processos criminais contra
deputados e presidentes de partidos, além de instituir voto secreto em
casos de prisão em flagrante de parlamentares — mecanismo que enfraquece a
transparência e dificulta a responsabilização dos eleitos. Como destacou a
analista política Malu, “hoje o voto é aberto, então a sociedade fica sabendo
quem foi a favor de prisão em flagrante e quem não foi, foi o que aconteceu no
caso do Chiquinho Brazão. Isso facilita mais ainda você blindar o deputado”.
Mais do que um debate sobre regras internas, o
avanço da PEC revela um cenário de paralisia proposital, no qual
projetos de real interesse público são deixados em segundo plano para dar lugar
a disputas corporativistas. O atual impasse é sintomático: o PL se recusa a
votar a PEC da Blindagem sem garantias de que a anistia a partidos será
aprovada; o Centrão, por sua vez, não vota a anistia sem a aprovação prévia da
blindagem. Um ciclo de barganhas que nada oferece à sociedade.
Enquanto isso, propostas de enorme impacto
social seguem empacadas na Câmara, como a isenção do Imposto de Renda
para quem ganha até R$ 5 mil, medida que beneficiaria diretamente cerca
de 20 milhões de trabalhadores brasileiros, e o projeto que busca
reduzir o custo da energia elétrica para os consumidores, além da aguardada
PEC da Segurança, que trata de políticas estruturais para a área. Todas
essas matérias, de interesse direto da população, estão sendo deixadas de lado
para que os próprios deputados priorizem um escudo contra a Justiça.
A crítica de Malu expõe o vácuo de liderança na
Câmara: “Tem que tomar uma iniciativa e arbitrar, ou pelo menos organizar um
acordo transparente para a sociedade... Na verdade, está todo mundo tentando se
aproveitar da fraqueza do presidente da Câmara para fazer o que quer. Isso na
política não funciona. Tem que tomar decisões e desagradar determinados grupos.
É arcar com o desgaste de ter poder”.
Ao priorizar uma proposta que busca blindar
políticos da Justiça, em detrimento de reformas estruturais e de políticas que
poderiam melhorar a vida da população, o Congresso dá um recado claro: a
lógica do autointeresse está se sobrepondo à função pública. O texto que
agora tramita no Plenário, apresentado por Hugo Motta e avalizado em conversas
com ministros do Supremo, é visto como uma tentativa de ganhar tempo e
evitar o avanço da anistia partidária, mas o custo é alto: mais descrédito
e mais distanciamento da sociedade.
Em vez de proteger seus próprios membros, a
Câmara deveria se concentrar em proteger os interesses do país. Ao insistir na
PEC da Blindagem, os deputados correm o risco de aprofundar a crise de
confiança nas instituições democráticas — um desgaste que não será resolvido
com manobras regimentais, mas com responsabilidade, transparência e coragem de
enfrentar as pautas que realmente importam ao Brasil.
Claudio Ramos