Esta quinta-feira (21)
merece uma celebração, principalmente, por todos os que estão envolvidos com o
fantástico e dinâmico mundo das telecomunicações. Há 160 anos, no dia 21 de
janeiro de 1861, nascia, em Porto Alegre, Roberto Landell de Moura, um raro
talento científico ainda, não devidamente, reconhecido no país, a partir
do esforço de vários brasileiros em resgatarem a memória dele na última década.
Padre Landell, como ele gostava de ser chamado, realizou a primeira transmissão
“wireless” de voz humana, por ondas de rádio, da história da humanidade.
A proeza aconteceu em 16
de julho de 1899, quando ele era pároco na capela de Santa Cruz, no bairro de
Santana, zona norte da capital paulista. Nas dependências do Colégio Santana,
ao lado da capela, ele reuniu empresários, o cientista Antônio Francisco de
Paula Souza, fundador e diretor da Escola Politécnica, a tradicional
instituição de ensino, hoje, integrada à USP, incluindo a imprensa. Em 3 de
junho de 1900, repetiu a experiência, ligando o alto de Santana a toda Avenida
Paulista, 8 km em linha reta. O cônsul britânico Percy Charles Parmenter Lupton
testemunhou o evento, como mostrou uma reportagem da imprensa. Apesar do êxito
científico das experiências públicas e de ter patenteado as próprias
invenções no Brasil (1901) e nos Estados Unidos (1904), Padre Landell
jamais conseguiu concretizar a última etapa do sonho dele: levantar recursos
financeiros para desenvolver e implantar um sistema de rádio no Brasil.
O que ele encontrou pelo
caminho foram as pedras da injustiça e da indiferença. Chegaram, inclusive, a
destruir o laboratório dele em Campinas (SP), no final do século 19, porque,
sombriamente, acreditavam que o padre se comunicava com o demônio... Na mesma
época, o italiano Guglielmo Marconi conquistou fama mundial com a
invenção do telégrafo sem fio. A radiotelegrafia era, no entanto, bem diferente
da invenção do padre-cientista. Marconi fez transmissões de sinais em código
Morse, enquanto o brasileiro colocava a voz em ondas de rádio. 54 Quando morou
em Nova York e lutava com dificuldades financeiras para sobreviver e para
patentear o rádio, Landell começou a projetar a televisão e o telex. Em 1904,
antes de outros cientistas, ele já estudava como transmitir imagens e textos
por ondas eletromagnéticas – a mesma “estrada”, a partir da qual ele
transmitira a voz humana e os sons musicais e que seria, nos tempos modernos, o
canal para a criação de diversas invenções “wireless”, como o telefone celular.
Nenhum cientista foi tão
abrangente no campo das telecomunicações. O talento dele transbordou,
extravasou o tempo. Todo esse esforço gigantesco de criação foi interrompido,
sufocado, porque, pelas próprias palavras, o forçaram a abandonar a carreira
científica. O obscurantismo o venceu, mas não conseguiu apagá-lo da memória.
Padre Landell é merecedor, pelo legado dele, de sair da condição de personagem,
à margem da história, para ocupar um lugar de destaque nas histórias do rádio e
das telecomunicações.
FONTE: jornalistasecia1469A.pdf
ELE NASCEU HÁ 160 ANOS E INVENTOU O RÁDIO, MAS O BRASIL
NÃO O CONHECE
(Folha de S. Paulo,
21 de janeiro de 2021)
Eduardo Ribeiro Jornalista