O ano de 2024 avança como nenhum outro quando se trata de queimadas no
Brasil. O país, que já se habituou com as chamas e com a fumaça rasgando o céu
em nuvens cinzentas, vê seus campos, florestas e biomas arderem como nunca
antes. O fogo, quase uma entidade viva, dança impiedoso, engolindo hectares de
terra e vidas, sem trégua.
Agora é agosto, e o céu de São Paulo escurece ao meio-dia. O sol, tímido, se
esconde atrás de camadas e mais camadas de fumaça, como se lançasse um aviso
silencioso: "Vocês estão queimando o futuro". No Pantanal, o som dos
animais fugindo das labaredas se mistura ao estalar dos troncos que ardem. Na
Amazônia, o verde cede lugar a um cinza triste, que se espalha por quilômetros.
Até as aves, antes donas dos céus, parecem perdidas, sem saber para onde voar.
Cada queimada tem sua própria história, e todas falam de desmatamento,
expansão agrícola e de uma negligência que já virou rotina. Os números, frios e
implacáveis, mostram que batemos recordes. A imprensa noticia com espanto:
“2024, o ano das queimadas recordes”. E o Brasil, país do verde, vai se
transformando em cinzas, diante de nossos olhos, enquanto todos sentem o calor
sufocante da destruição.
Viver em um país que se acostuma a queimar é quase surreal. Para muitos, as
queimadas são vistas como parte de um ciclo, algo natural. "Sempre
queimou", alguns dizem, como se fosse parte da paisagem. Mas agora é
diferente. O que vemos hoje é o reflexo de decisões que priorizam o lucro
imediato sobre a preservação, a destruição sobre a regeneração. E a cada novo
incêndio, o Brasil vai queimando sua maior riqueza: suas florestas, sua
biodiversidade, e sua própria alma.
Há algo de cruelmente poético — se não fosse tão trágico — no fogo que
consome. Ele nos lembra da nossa finitude, da fragilidade do que temos. E,
enquanto as chamas continuam a consumir, uma pergunta ecoa entre as cinzas: até
quando vamos continuar queimando o que não podemos reconstruir?
2024 está sendo marcado por esse crepitar incessante. O calor sufocante toma
conta de tudo e as cicatrizes já se acumulam na nossa história. Quando olharmos
para trás, talvez nos perguntemos se esse foi o último grito da natureza
pedindo socorro ou se escolhemos ignorá-lo, deixando que tudo, mais uma vez,
vire pó.
Claudio Ramos
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